quarta-feira, 23 de julho de 2014

Como a PF desmontou o feudo político de Gilvam Borges na Funasa-AP

Como Polícia Federal desmontou o feudo político de Gilvam Borges e um esquema de corrupção que desviou mais de 45 milhões da Funasa

Por Emanoel Reis no blog Amapá em Dia
 
Superintendência da Polícia Federal no Amapá atingia em cheio um dos mais antigos feudos políticos em atuação no Estado, controlado com mão de ferro por Gilvam Borges, ex-senador e fiel escudeiro do senador maranhense José Sarney (ambos morubixabas do PMDB estadual). Caía por terra o longo esquema de desvio de recursos públicos montado nas entranhas da Fundação Nacional da Saúde no Amapá (FUNASA-AP), capitaneada pelo ex-funcionário do Banco do Brasil e ex-diretor-presidente da Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa), José Roberto Galvão, destacado membro do grupo político de Gilvam. Galvão foi um dos presos na “Operação Citrus”; e, devido a problemas de saúde, foi autorizado a cumprir prisão provisória em casa.

A ação policial expôs as vísceras da FUNASA controlada por Gilvam Borges. Uma autarquia sucateada, totalmente submetida aos caprichos do chefe, carcomida pela corrupção e consumida pela ineficiência administrativa. Na verdade, o esquema criminoso começou a ruir após denúncias formuladas em reportagem de autoria do jornalista Andrei Meireles, construída com base nos relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU), e veiculada na revista Época, edição de maio de 2011.


Conforme a revista, “(…) o caso mais significativo envolve[u] um convênio firmado em 2006 entre a Funasa e uma ONG, a Associação dos Povos Indígenas do Tumucumaque (Apitu). Em três anos, a Apitu recebeu R$ 6 milhões da Funasa. Segundo a CGU, o prejuízo para os cofres públicos nesse convênio chegou a R$ 2,8 milhões. O assombro não está na dimensão dos desvios, mas no destino final deles. Depois de receber os recursos do governo, a Apitu repassou R$ 667 mil à AFG Consultores Ltda. Os serviços, diz o relatório, nunca foram prestados.”
“A PF quebrou o sigilo bancário da AFG e mostrou o caminho percorrido pelo dinheiro. Das contas da AFG, os recursos saíram para contas dos comitês eleitorais do PMDB no Amapá, a fim de financiar as campanhas a prefeito de dois irmãos de Gilvam. Um deles, Geovani Borges, compartilha o mandato de senador com o irmão: volta e meia, um sai de licença para que o outro exerça o mandato em Brasília. Hoje quem está no Senado é Geovani. Em julho de 2008, ele exercia o mandato de senador quando a AFG passou R$ 150 mil ao comitê de sua campanha à prefeitura de Santana, no Amapá. Esse dinheiro é quase um terço de tudo o que Geovani declarou à Justiça Eleitoral.”

Durante a “Operação Citrus” também foram presos os ex-prefeitos Euricélia Cardoso (Laranjal do Jari) e Aguinaldo Rocha (Oiapoque), além de cumpridos 12 mandatos de prisão temporária. De acordo com informações preliminares repassadas pela Polícia Federal, Galvão, Euricélia e Rocha são membros destacados do grupo político chefiado por Gilvam Borges. Também conforme a PF, os ex-gestores foram beneficiados pelo esquema de desvio de recursos federais que deveriam ser aplicados na ampliação do sistema de abastecimento de água potável nos dois municípios.

Desvios na Funasa atingem 62 mil pessoas
A malversação supostamente cometida pelos suspeitos resultou em volumoso prejuízo para a União. Segundo estimativas da PF, cerca de R$ 45 milhões foram desviados pelos envolvidos, um dano que já afeta diretamente mais de 62 mil pessoas, moradoras de Laranjal do Jari e Oiapoque, vítimas das agruras causadas pela falta de água de qualidade nas torneiras de suas casas. O dinheiro foi repassado às empresas, mas as obras que beneficiariam milhares de famílias não foram concluídas.
Roberto Galvão, indicado pelo PMDB na Funasa sendo preso pela PF
Sem água de qualidade, essas pessoas estão em perigo iminente, adverte o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Segundo o Unicef, a cada 15 segundos uma criança morre de doenças relacionadas à falta de água potável, saneamento e condições de higiene. Todos os anos, 3,5 milhões de pessoas morrem no mundo por problemas relacionados ao fornecimento inadequado da água, à falta de saneamento e à ausência de políticas de higiene, segundo representantes de outros 28 organismos das Nações Unidas. Pesquisadores destacam que quase 10% das doenças registradas ao redor do mundo poderiam ser evitadas se os governos investissem mais em acesso à água, medidas de higiene e saneamento básico.

Cidades do interior amapaense sofrem com problemas infraestruturais crônicos, agravados em quase dez anos de absoluto descaso do ex-governo Waldez Góes (aliado de Gilvam). Oiapoque, localizado a 560 quilômetros de Macapá, e Laranjal do Jari, a 265 quilômetros, figuram na lista dos piores Índices de Desenvolvimento Humano entre os municípios da Região Norte. O primeiro, ocupa a 41ª posição, três pontos à frente do segundo (Laranjal do Jari), e ainda assim, volta e meia são saqueados por maus gestores.

Laranjal e Oiapoque estão incluídos na Faixa de Fronteira Setentrional, junto com Amapá, Calçoene, Ferreira Gomes, Serra do Navio, Pedra Branca do Amapari, Porto Grande e Tartarugalzinho. E são municípios reconhecidamente pobres, primeiro pelas deficiências naturais de acessibilidade e, principalmente, pela má aplicação e desvio deliberado dos recursos que deveriam ser investidos em benfeitorias para melhorar a qualidade de vida das populações carentes.

Para o professor José Alberto Tostes, da Universidade Federal do Amapá, “(…) entre os inúmeros fatores que contribuem para as dificuldades dos municípios reside a pouca mobilidade administrativa para lidar com a operacionalização dos recursos, isso se agrava com o afastamento de prefeitos. O Estado do Amapá tem sido um dos Estados que mais tem tido prefeitos afastados por improbidade administrativa (…), [isso] reflete as fragilidades de gestão pública que vem ocorrendo nos últimos anos.”

Um parlamentar polêmico e controverso
Tido por muitos como um dos responsáveis por boa parte dessas mazelas que atormenta os interioranos amapaenses, o ex-senador Gilvam Borges lança mão de todos os ardis para retornar ao cenário político estadual e nacional a partir das eleições de 2014. No entanto, a história mostra que o ex-senador nunca esteve realmente preocupado em instrumentalizar os mandatos obtidos nas urnas para promover o bem estar de seus concidadãos.

Pelo contrário, no decorrer de sua longa trajetória política sempre procurou aplicar ao pé da letra a controvertida “Lei de Gerson” (levar vantagem em tudo), independente do cenário degradante encontrado em boa parte dos municípios amapaenses, carentes dos mais elementares equipamentos sociais como saúde, educação, segurança e transporte.

Continuamente envolvido em rumorosos escândalos, polêmicas canhestras e debates controversos, o parlamentar ganhou fama pelo nada convencional hábito de usar sandálias no Congresso Nacional. Esta é apenas uma das múltiplas facetas do peemedebista. A de menor teor explosivo. As mais graves fazem parte do inesgotável anedotário político brasileiro. Em especial do capítulo que trata de corrupção, nepotismo e peculato.

Em 31 de março de 2009, a imagem do à época senador Gilvam Borges enfeitou uma das páginas da edição do jornal O Globo (RJ), logo abaixo da manchete “Senador do PMDB emprega oito parentes de assessor”. A reportagem ecoou no plenário do Senado, mas como Gilvam contava com poderosas costas quentes, os efeitos da denúncia foram minimizados por determinação do principal ocupante do Palácio do Planalto.

Acompanhe trechos da reportagem de O Globo:
“Mais um caso de desvio de função, para atendimento de interesses eleitorais, foi identificado no Senado. O advogado Fernando Aurélio Aquino assinou 105 ações em defesa da coligação do senador José Sarney (AP), candidato à reeleição pelo PMDB, e Waldez Góes, candidato do PDT ao governo do Amapá (eleições de 2006), no mesmo período em que era contratado como chefe de gabinete de um aliado dos dois candidatos, o senador Gilvam Borges (PMDB-AP). No gabinete de Gilvam trabalham Aquino e mais oito parentes: pai, mulher, irmãos e cunhados.

Denunciado pelo GLOBO quando o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a contratação de parentes com cargo de chefia, Aquino foi exonerado da função de chefe de gabinete para manter os parentes contratados. Como é concursado, continua no gabinete de Gilvam, mas como assessor parlamentar.

O pai do funcionário, Tersandro Benvindo de Aquino, não aparece no gabinete. Cuidaria de acompanhar projetos do senador nos ministérios. Leila Carla Caixeta de Sá Aquino, mulher de Fernando Aquino, lê cartas com convites e pedidos de eleitores; Francisco Hélio de Azevedo Aquino, irmão de Fernando, lê os e-mails; Mirian de Azevedo Aquino, irmã, é recepcionista e atende o telefone; Ana Lúcia Albuquerque Rocha Aquino, cunhada, casada com João Benvindo de Albuquerque Filho, despacha ofícios aos prefeitos (o marido é motorista). Rodrigo Furtado Caixeta, cunhado, faz fotos e entrevistas com o senador para imprensa regional; Levy Carlos Caixeta de Sá, cunhado, cuida de assuntos de orçamento.”

Reportagem mela nomeação do filho de Gilvam
Dois anos após esse ruidoso escândalo, mais uma denúncia envolvendo Gilvam Borges ganhava repercussão nacional, e novamente colocava o Amapá em situação vexatória. Assíduo frequentador do gabinete da presidência do Senado, Gilvam levava sempre no bolso do colete uma petição especial que intermediava junto ao “padrinho” poderoso. Naquela ocasião, o pedido era não só especial como estritamente pessoal. Tratava-se da nomeação de Miguel Gil Pinheiro Borges, filho dele.

Seria mais um “ato secreto” do então presidente do Senado, José Sarney, se o jornal O Estado de S. Paulo não tivesse melado a contratação de Miguel, cujo nome já figurava no Boletim Administrativo de Pessoal do Senado. O ato, assinado por Sarney, designava Miguel Borges para o cargo de Assistente Parlamentar (AP-03) no Órgão Central de Coordenação e Execução do Senado. A remuneração era de R$ 4.084,29.

Questionada pela reportagem do jornal paulistano sobre o motivo da nomeação do filho de Gilvam, a assessoria da presidência da Casa tratou o assunto como um “equívoco” e informou, na ocasião, que no dia seguinte o ato seria anulado. No entanto, ficou evidenciado para os jornalistas de O Estado de S. Paulo que a medida configurava nepotismo cruzado, pois, segundo levantamentos realizados por eles junto à Secretaria Geral do Senado, aliados de Sarney tinham sido nomeados por Gilvam.

QG de campanha pago com dinheiro do povo
Indiferente aos rigores da lei, o então senador Gilvam Borges seguia pródigo em ações reprováveis, movido unicamente pelo desejo de manter-se no poder a qualquer custo. Ignorando as sucessivas denúncias de malversação, nepotismo e fraude, começou as eleições de 2010 encarapitado num sobrado, em Macapá, onde funcionava uma fábrica de toldos no térreo. No andar superior montou seu quartel-general de campanha, cujo aluguel de R$ 15 mil era pago com verba do Senado.

A direção do jornal Folha de S. Paulo despachou uma equipe de reportagem para o Amapá só para averiguar a denúncia. Ainda nos levantamentos preliminares, o repórter Hudson Corrêa percebeu as irregularidades no contratado de locação. O senador peemedebista estava usando dinheiro público para manter uma estrutura de campanha eleitoral e a lei dizia claramente que a verba indenizatória poderia ser aplicada em aluguel de imóvel desde que para “(…) instalação de escritório de apoio à atividade parlamentar”.

Embora a assessoria de Gilvam Borges tenha alegado que o sobrado era usado apenas para reuniões dentro da atividade parlamentar, e não para campanha, o jornalista observou que no teto do sobrado havia uma bandeira onde estava escrito “espaço verde de Gilvam”. E haviam também carros e bandeiras com propaganda dele.

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